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O que sabemos sobre o ‘pacto sobrenatural’ de Hitler e do nazismo 1285v

Historiador investigou como crenças ocultistas e pseudocientíficas se enraizaram entre os alemães na 2ª Guerra e as lições que isso deixa aos tempos atuais 344vu

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jun 2025, 17h40 - Publicado em 6 jun 2025, 14h45

Há um lado um tanto quanto obscuro na história do nazismo: o quanto crenças sobrenaturais e pseudocientíficas foram abraçadas pelo alto escalão do partido de Hitler no período da Segunda Guerra Mundial, influenciaram os rumos do conflito e acabaram deixando heranças malditas que teimam em ser reavivadas até os dias de hoje.

Para jogar luz sobre esse capítulo tenebroso do século XX, o professor americano Eric Kurlander dedicou anos de extensa pesquisa com o objetivo de desnudar o imaginário ocultista, paranormal e conspiratório que se apossou dos alemães e dos nazistas entre as décadas de 1930 e 1940.

O resultado desse trabalho vigoroso – 143 das 552 páginas da obra se referem às notas dos estudos e documentos analisados – está no livro Os Monstros de Hitler, publicado pela editora Zahar.

Tais ideias, muitas delas alimentadas para fins monstruosos, não estamparam apenas a mente do Führer. Ganharam a adesão de milhões de alemães, especialmente de oficiais e líderes do movimento. E chegaram a ser empregadas para atacar seus inimigos e as supostas raças inferiores. Alias, engana-se quem pensa que elas foram devidamente enterradas.

Os monstros de Hitler 202qi

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Em entrevista exclusiva a VEJA, o historiador e professor da Universidade Stetson, nos EUA, discute as descobertas e os aprendizados de suas investigações – e traz um alerta para os nossos tempos.

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Com a palavra, Eric Kurlander.

Durante sua pesquisa para o livro, qual foi a descoberta mais impressionante sobre o afã por crenças sobrenaturais dos nazistas?

Em um nível mais geral, acredito que o mais impressionante foi perceber quantos membros diferentes do Partido Nazista estavam interessados em algum aspecto do que chamo de imaginário sobrenatural. E isso inclui três elementos: a ciência de fronteira ou pseudociência, o ocultismo e a religião alternativa ou pagã.

Se você pegar esses três grupos de crenças, verá que muitos líderes nazistas tinham algum interesse em um ou mais de um deles. Pensei que poderia encontrar nessas investigações gente como Himmler e Hess [referência a Heinrich Himmler e Rudolf Hess, respectivamente o chefe da divisão especial nazista SS e o braço direito de Hitler] e talvez alguns outros nomes, mas pararia por aí. Só que, na verdade, havia um grande interesse intelectual e cultural por essas ideias, e ocasionalmente eles as usaram para fins políticos.

Acredita que essas crenças influenciaram o destino da guerra?

Em primeiro lugar, é importante entender que o exército alemão era incrivelmente eficiente e bem treinado, e tinha considerável margem de manobra para os oficiais tomarem decisões, mesmo com Hitler no comando, pelo menos no início das operações. Então, mesmo com todas aquelas crenças sobrenaturais, nem sempre houve um impacto direto na tomada de decisões ou nas operações militares.

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O que mostro no livro é que, à medida que Himmler e Hitler ganharam mais controle sobre as coisas e começaram a intervir mais, as decisões tomadas, no que diz respeito a gasto de dinheiro e estratégias políticas e militares, acabaram influenciadas por suas crenças pseudocientíficas, esotéricas ou ocultistas.

Para dar um exemplo: especialmente figuras como Himmer, mas também Hitler, acreditavam em teorias como a cosmogonia glacial. E, aparentemente, isso teve alguma influência no fato de os alemães não estarem tão preocupados em lutar na Rússia em pleno inverno. Eles achavam que sua origem numa civilização ariana e nórdica os tornava mais capazes de lidar com o frio.

Então houve operações malsucedidas devido a essas crenças pseudocientíficas?

Sim, vou dar outro exemplo. Himmler e os seus recrutaram um bando de astrólogos e parapsicólogos em 1943, encheram esses caras de álcool, charuto e comida fina em um subúrbio para que, por meio de suas artes, encontrassem Mussolini, o antigo ditador italiano, que eles queriam libertar e colocar de volta no comando da Itália.

E havia uma obsessão por armas mágicas também, certo?

Muitos líderes nazistas, sobretudo Himmler, buscavam essas armas milagrosas que, em sua visão, seriam decisivas para deter os Aliados que, nessa altura, já estavam na Europa. O ministro de armamentos do Reich, que irava Hitler, mas era um tanto racional, reagiu assim: “Não vamos conseguir nenhuma arma milagrosa. Não existe tecnologia para o que estão pedindo”.

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Além disso, os nazistas aram a associar a pesquisa atômica e a física quântica aos judeus. Era a física judaica. De modo que não investiram tanto quanto poderiam em um programa nuclear. Provavelmente eles não teriam uma bomba atômica a tempo de usá-la, como os Estados Unidos, mas o fato é que líderes como Hitler, Himmler e Goebbels [o ministro da propaganda] demonstraram menos interesse nisso por uma associação a figuras judaicas como Einstein.

Mas daria pra dizer que eles perderam a guerra devido a essas crenças?

Não creio, mas eles poderiam ter estendido seu horizonte na guerra talvez por mais três, seis meses, e isso é certamente emblemático da maneira pela qual seu tipo de pensamento impactou suas políticas, bem como sua visão sobre raça, espaço, ciência e religião.

Professor, sempre associamos o nazismo a figuras como Hitler e Himmler, mas seu livro fala de inúmeros outros personagens. Dentro dessa perspectiva de imaginário sobrenatural, há algum deles que mais chamou sua atenção?

Bem, poderíamos falar de Otto Ohlendorf, que foi um dos líderes do grupo responsável por ass judeus na União Soviética. Era um teórico jurídico bem educado e com formação universitária. Não era uma pessoa irracional à primeira vista, mas ele ou muito tempo lendo as obras de Rudolf Steiner, o famoso guru antroposofista, e até interagiu com proponentes dessa teoria. Ele e Himmler gostavam daquelas ideias. Queriam saber como obter melhor controle sobre a mente e o corpo. É o exemplo de um oficial nazista não tão associado ao ocultismo, mas que estava envolvido com esse imaginário e teve participação importante no Holocausto.

E podemos falar de outros nomes, como Franz Six, que atuou no planejamento da chamada “solução final”, mas também esteve envolvido em pesquisas sobre as acusações de bruxaria no período medieval e moderno. Tudo fazia parte de uma crença compartilhada por Himmler e outros oficiais do alto escalão da SS de que havia uma religião pagã germânica que precedeu o cristianismo e foi atacada pela Igreja Católica e os judeus.

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Sabemos que o governo Trump e alguns movimentos de direita na Europa ou mesmo no Brasil apoiam algumas teorias da conspiração e pseudocientíficas, como o movimento antivacina. O senhor enxerga um paralelo entre nossos tempos e aqueles examinados em seu livro?

Sim, essa é uma pergunta muito importante. Quando terminei o livro, há seis ou sete anos, eu tinha um projeto de pesquisa que visava entender se aquilo que observamos na Alemanha no período entreguerras teria alguma conexão com o mundo atual. Na época, Trump ainda não havia sido eleito, mas tínhamos uma Marine Le Pen [líder da extrema direita sa] ganhando apelo popular, por exemplo. Começamos a notar fenômenos parecidos com os daquela época, especialmente a maneira como os partidos de direita, populistas e xenófobos estavam alavancando teorias psedeudocientíficas sobre raça, espaço, saúde e religião. Era exatamente o que víamos há 100 anos – e registrei isso no epílogo do livro.

Desde então, venho testando minhas teorias ao lado de alguns estatísticos e psicólogos sociais. Temos até um artigo sobre isso. O que fizemos foi usar as escalas existentes da ciência política para avaliar a crença em elementos conspiratórios e paranormais. Nós aplicamos questionários em cerca de 400 americanos. E avaliamos também suas preferências políticas, se mais autoritárias ou liberais, por meio de escalas. Adivinhe o que descobrimos.

Aquilo que meu livro previa: pessoas que estão no topo dessas escalas de crença no sobrenatural estavam também no topo das escalas de autoritarismo. Independentemente de se declararem de esquerda ou de direita. Então, sim, o que meu livro e esses estudos posteriores mostram é que, se você acredita nessas ideias ocultistas, esotéricas ou pseudocientíficas, incluindo aquelas antivacina, é muito mais provável que vote num ditador de extrema direita do que alguém que acredita nas vacinas, na evolução e na ciência.

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